Vizinhos e amigos desde a tenra infância, eu e ela crescemos quase como primos, dada a proximidade e afinidade entre nossas famílias e, na transição mágica da adolescência nos apaixonamos, experimentando aquele primeiro amor inocente e intenso, que deixaria uma marca indelével naqueles corações ainda puros.
A vida, todavia, nos reservava outros rumos, que hoje entendemos que foram necessários e inevitavelmente transformadores. Tivemos outras paixões, outros envolvimentos. Crescemos, fomos estudar em diferentes cidades e o contato se restringiu a meras mensagens com votos de um feliz aniversário ano sim, ano não.
Ambos se casaram e constituíram famílias. Eu havia retornado à Jundiaí. Ela havia se mudado para o Paraná.
Nos pouquíssimos reencontros ocasionais das duas famílias ao longo dos anos, sempre com as presenças dos respectivos cônjuges, apenas uma conversa informal, como quem revê um amigo com quem não se tem mais contato. De minha parte, contudo, pairava um sentimento de muito carinho por aquela que tinha sido algo mais que uma amiga.
A vida seguiu até que um evento improvável chacoalhou algo dentro de mim. Numa viagem de trabalho à Curitiba, antes de retornar ao aeroporto, pedi ao taxista que me deixasse em um shopping qualquer para almoçar. Ela morava em Curitiba nessa época e a probabilidade remota, ínfima favoreceu um encontro. Dentre muitos shoppings daquela capital, dentre os diversos restaurantes sentei-me em um de frente para o corredor quando a vi passando. Pensei que só podia ser uma pessoa muito parecida, pois a chance disso acontecer era próxima do absurdo. Bem, fui atrás da suposta sósia e para minha felicidade era ela mesma. Ficamos admirados com o acontecido, conversamos bastante, mostramos fotos dos filhos, mas eu tinha que retornar ao aeroporto.
Mais anos se passaram. Muitos, na verdade. Uma vida.
Minha união dissolveu-se e eu estava sozinho. Ela havia retornado com a família para próximo de Jundiaí e os contatos entre as famílias estavam sendo retomados aos poucos, até que eu soube da notícia da separação dela também. E num eventual encontro, dez anos após aquele fatídico e improvável em Curitiba, voltamos a conversar, inicialmente trocando as lamúrias de nossas desilusões matrimoniais. E a amizade ressurgiu prontamente, brotando forte, relembrando-nos de sua importância e intensidade.
Novos encontros eram urgentes. A conexão e a afinidade eram evidentes. Foram muitos cafés até que intencionalmente os fiz passar a vinhos, pois já havia sido tomado pelo renascimento também de uma paixão que me pegou desprevenido. Estava defronte aquela mulher admirável, surpreendente, repleta de uma vida que eu precisava conhecer e, para acirrar o meu tormento, estava igualmente linda, como quando havíamos namorado, longos anos atrás.
Entre suas características atuais eu enxergava traços da menina, da jovem que primeiro amei, todas juntas num combo arrasador para meu coração. Foi avassalador e não contive demonstrar minha intenção claramente.
E ela recusou! Alegou tudo o que podia: nossos filhos, nossos ex-cônjuges, nossas famílias… era muita gente envolvida numa indefinição como se ainda fôssemos aquele casal do passado, claramente desnorteada numa miscelânea de pensamentos e emoções, até que sua resistência não foi páreo para uma resoluta decisão, que viemos a aprender que sim, trata-se de decidir deixar aflorar e que cabe manter e cultivar: o amor!
Mais de três décadas depois e estamos vivendo novamente esse amor há dois anos. Podemos afirmar que agora entendemos o que é a felicidade! Não mais puros e inocentes, mas experimentados na vida, sabendo exatamente o que queremos e mais ainda o que não vamos deixar que se passe em nossa vida em comum. Adultos de cinquenta, almas de dezoito, deliciosamente, inteiramente.
De novo!